Com o advento da internet, nossas relações tornaram-se muito mais dinâmicas e expansivas, eliminando as antigas barreiras de tempo, espaço e linguagem. Este novo universo integrou pessoas, empresas e consequentemente os negócios ajustados entre elas. Com isso, a segurança jurídica dessas relações foi tornando-se questionável, frente à falta de legislação aplicável ao caso concreto.
Este artigo destina-se a empresários, estudantes e colegas advogados em busca de mais informações sobre esta matéria de crescente demanda.
Local ou Meio?
Antes de prosseguirmos ao estudo dos contratos eletrônicos, devemos identificar se a internet trata-se de local ou meio. É de imensa importância esta identificação por conta das regras contratuais do Direito Civil quanto a proposta e o aceite entre presentes ou ausentes.
A Norma 004/1995 publicada pela ANATEL é clara em dizer em seu capítulo 3 sobre as definições que:
a) Internet: nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o “software” e os dados contidos nestes computadores;
Isto posto, podemos definir de maneira sucinta que a internet é o conjunto de tecnologias que possibilitam a comunicação global entre computadores. Ora, me parece conclusivo de que a internet trata-se de meio, e não de um local específico, consolidando dessa forma as regras jurisdicionais dos negócios realizados neste ambiente.
Não devemos aplicar o artigo[nbsp_tc]428, inciso[nbsp_tc]I, do[nbsp_tc]Código Civil, que considera como presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante. Tratando-se de tecnologia diversa, a internet não se enquadra na expressão “comunicação semelhante”, e para o propósito do presente artigo, não merece maiores explicações sobre as diferenças técnicas entre elas.
Com esta definição em mente, tem-se que os contratos eletrônicos devem ser considerados como pactuados entre ausentes, aplicando a legislação vigente e doutrina da matéria ao caso concreto.
Da proposta
O artigo[nbsp_tc]435[nbsp_tc]do[nbsp_tc]Código Civil[nbsp_tc]diz que “Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”. Como forma de mitigar os riscos envolvidos nos contratos eletrônicos, é fundamental que se determine o foro de eleição. O artigo[nbsp_tc]78[nbsp_tc]do[nbsp_tc]Código Civil[nbsp_tc]determina que “Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”. Também nesse sentido temos a Súmula 335 do STF que diz “É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato”.
Outro aspecto a ser considerado nos contratos eletrônicos é a oferta. O artigo[nbsp_tc]429[nbsp_tc]do[nbsp_tc]Código Civil[nbsp_tc]expõe que “A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos”.
Ou seja, uma vez que a oferta decorra de agente capaz, tendo como objeto algo lícito, possível, determinado ou determinável, de forma prescrita ou não defesa em lei (art.[nbsp_tc]104,[nbsp_tc]CC), esta se configura em proposta.
Especial atenção aos que utilizam a internet como forma de negócio, pois, conforme o artigo[nbsp_tc]30[nbsp_tc]do[nbsp_tc]Código de Defesa do Consumidor, toda a informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Quanto aos contratos de adesão, forma muito comum encontrada no ambiente virtual, regem-se pelo[nbsp_tc]Código Civil, sendo consideradas nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio (art.[nbsp_tc]424,[nbsp_tc]CC) e no caso das cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve-se adotar a interpretação mais favorável ao aderente (art.[nbsp_tc]423,[nbsp_tc]CC).
Nos contratos de adesão consumeristas, aplica-se também o[nbsp_tc]Código de Defesa do Consumidor, devendo entre outras especificidades, ser redigido em termos claros com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor (art.[nbsp_tc]54,[nbsp_tc]§ 3º,[nbsp_tc]CDC).
Do aceite
Tipicamente, o aceite do contrato é concretizado através da assinatura física no papel do proponente e aceitante. É aí onde ocorrem os maiores problemas jurídicos em relação aos contratos eletrônicos.
A[nbsp_tc]United Nations Comission on International Trade Law[nbsp_tc](Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional) desenvolveu um trabalho pioneiro referente ao comércio eletrônico e a assinatura eletrônica, através de duas leis modelos.
A lei modelo sobre comércio eletrônico (51/162) trata dos aspectos a fim de garantir a eficácia jurídica das mensagens e contratos pactuados por meio eletrônico, garantindo sua validade jurídica. Já a lei modelo sobre assinatura eletrônica (56/80) discorre sobre as ferramentas utilizadas a fim de assinar essas mensagens e contratos pactuados virtualmente, dentre elas, cita a chave pública e serviços de certificação.
No Brasil, o sistema de chaves públicas foi criado através da Medida Provisória nº[nbsp_tc]2.200[nbsp_tc]de 28 de junho de 2001, a fim de garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras (art.[nbsp_tc]1º, MP[nbsp_tc]2.200/01).
Esta tecnologia já é utilizada em diversos serviços públicos, entre eles a declaração de imposto de renda. No setor privado, os mais comuns são as chaves de[nbsp_tc]internet banking, que hoje possibilitam a utilização de grande parte dos serviços bancários de forma[nbsp_tc]online. Não posso deixar também de apontar a revolução no sistema judiciário nacional, e as assinaturas digitais de todos os envolvidos nos diversos processos e andamentos.
No mundo ideal, todas as pessoas (físicas e jurídicas) teriam sua chave pública e sua chave privada, para validar todas as relações jurídicas eletrônicas. Porém a realidade está muito distante da ideal.
Na esfera empresarial, as empresas buscam maneiras diferentes de aumentar ao máximo a validação jurídica de seus negócios eletrônicos, uns com trocas de e-mail e suas confirmações de leitura, outras tendo como concretização do aceite o pagamento da primeira parcela ou boleto, ou com o preenchimento do cadastro e os famosos cliques no “aceito/concordo”.
O que temos que ter em mente é que quanto maior a complexidade do negócio jurídico e seus valores envolvidos, maior será a exigência de ferramentas seguras de identificação dos participantes e de sua aceitação.
Já existem diversas empresas privadas especializadas na autenticação de documentos digitais, criando ferramentas para comprovar a leitura e aceite de documentos e contratos, tornando-os válidos juridicamente, ou pelo menos aumentando (e muito) a possibilidade de serem reconhecidos judicialmente.
Um apontamento importante feito por Luis Henrique Ventura (2010), a luz do artigo[nbsp_tc]585, inciso[nbsp_tc]II, do[nbsp_tc]Código de Processo Civil, alerta que “[…] um contrato particular, para ser título executivo extrajudicial, deve ter a assinatura de duas testemunhas. O contrato eletrônico não é assinado por testemunhas. Logo, o contrato eletrônico não é considerado, no Brasil, um título executivo extrajudicial.” Isto aponta a necessidade da revisão da legislação vigente ou a criação de legislação específica na matéria.
Existe o projeto de lei 1.589/99 de autoria do deputado Luciano Pizzato (PFL/PR) em tramitação na Câmara dos Deputados, que dispõe sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital. Acredito ser esta uma iniciativa de grande valor para que finalmente as relações jurídicas eletrônicas encontre a segurança necessária de validação. Claro que, por ser um projeto de lei, necessita de diversas revisões para que alcance a eficácia das transações tradicionais, mas é um ótimo começo.
Conclusão
Não há como fugir da tendência mundial das relações jurídicas virtuais, na sua amplitude de alcance e economia financeira. O trabalho já foi iniciado, porém há um grande caminho a se percorrer até atingirmos a segurança jurídica das relações pessoais tradicionais.
No momento, o que podemos fazer é nos atentarmos as novas tecnologias que estão sendo criadas todos os dias, e utilizar as ferramentas jurídicas já disponíveis na legislação vigente a fim de aumentar ao máximo a garantia de cumprimento das obrigações pactuadas de forma eletrônica.